Olá, equipe CBTD.
Esta página tem acesso restrito e exclusivo para o objetivo de apresentar a vocês um conteúdo meu que considero importente. Somente quem recebe o link consegue acessá-lo (não haverá link no menu da página inicial), portanto não está disponível para o público aberto.
Bom, vamos à explicação... recentemente enviei para a editora Chave Mestra um capítulo referente a Responsabilidade Social Corporativa que fará parte do livro Liderança e Performance da mesma editora. O livro está em fase de revião e o lançamento está agendaado para abril de 2024.
Trata-se de um tema correlato ao da palestra a qual estou me inscrevendo.
E para que fosse possível o acesso de vocês a esse conteúdo, subi nesta página restrita.
Aproveitem a leitura!
Muito Obrigada a todas as pessoas envolvidas!
RIO DE SONHOS: RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA
Por Patrícia Sakavicius
Foi num dia qualquer nas primeiras décadas do século passado que Maria e Francisco deixaram a cidade de Juazeiro, na Bahia, e embarcaram numa viagem pelo rio São Francisco com seu pequeno rebento nos braços. A família buscava escrever uma nova história além das curvas do rio, e intentava deixar para trás os dias de escassez. Não sabia que ali era o (re)início de uma trajetória que seria escrita sobre corredeiras traiçoeiras. Ainda durante a viagem aquela pequenina promessa de futuro com tão pouco tempo de existência, deixa a vida envolta nos braços de sua mãe. O leitor pode imaginar o que deve ser o ato de carregar um filho sem vida nos braços, sem poder chorar sua partida para evitar que seu minúsculo corpinho fosse retirado de seus braços e entregue eternamente às águas do Velho Chico.
Esta história poderia ser o início de uma obra cinematográfica brasileira, de uma novela de época ou até mesmo de uma narrativa do Brasil profundo que Itamar Vieira Júnior nos apresenta com tanta delicadeza. Mas essa é uma história real. Maria e Francisco, meus avós maternos, migraram do interior da Bahia para o sudeste, tendo vivido em Minas Gerais e posteriormente no interior de São Paulo onde criaram seus filhos. Maria, vem de uma família multirracial que não deixou vestígios de sua existência. Francisco, descendente direto de ex-escravizados nunca mencionou o nome de seus pais, avós ou quem quer que tenha feito parte de sua ancestralidade. Não há relatos, histórias nem qualquer indício de lugar de origem. O silêncio denuncia as dores. Minha árvore genealógica materna inicia, portanto, com meus avós.
Em contrapartida, minha família paterna nos deixou uma árvore genealógica robusta: avós, bisavós, tataravós... nomes, sobrenomes documentos, histórias, cidades, estados e pelo menos dois países: Lituânia e Portugal.
É nesse contraste que minha identidade pessoal e profissional se constituiu, e é muito provável que boa parte dos 56% da população brasileira autodeclarada negra, também se identifica com a lacuna deixada pelo apagamento documental e epistêmico dos povos que construíram essa nação. E sabem o que isso provocou e ainda provoca em nossa subjetividade.
O apagamento não foi a única violação de direitos promovida naqueles tempos. A exclusão sistêmica criou barreiras intencionais de acesso ao trabalho remunerado, à educação e à moradia digna. Essas prerrogativas foram direcionadas aos imigrantes europeus trazidos à terra dourada para cumprir a tão sonhada Redenção de Can. Algumas leis almejavam a "higienização" da população com a eliminação dos indesejados, porém sobreviveram, resistiram, se uniram e lutaram com todas as suas forças, assim como Maria (que cozinhava para os trabalhadores da região para que tivesse alguma renda) e Francisco (que trabalhava na roça com os filhos mais velhos em regime de exploração). As Marias e os Franciscos que resistiram a esse cenário, não passaram imunes pela exclusão institucionalizada. Tornaram-se coadjuvantes do abismo social cada vez mais evidente em nossos dias.
Os números que retratam hoje essa realidade deveriam servir como alerta: 10% dos brasileiros mais ricos ganham quase 59% de toda a renda produzida no país de acordo com a World Inequality Lab. Já o IBGE e posteriormente a Fundação Getúlio Vargas nos mostram que mulheres negras recebem o equivalente a 48% do salário recebido por homens brancos na mesma função e com a mesma escolaridade. O decreto 11.795/2023 regulamenta a igualdade salarial entre homens e mulheres, pessoas brancas e negras. Então agora o foco estará na quebra das barreiras organizacionais invisíveis que impedem determinados grupos de pessoas de alcançarem cargos de poder e influência.
Ora, se 28% da população brasileira é composta por mulheres negras (pretas e pardas) não precisamos aprofundar muito a análise para chegar à conclusão que a baixa remuneração deste grupo deixa de fazer circular um valor incalculável para a nossa economia.
É imperativo, portanto, que líderes de negócio protagonizem a aceleração econômica a partir da Responsabilidade Social Corporativa (RSC). O lucro das organizações precisa estar conectado ao impacto de suas decisões para toda a sociedade, e claro, precisam dar protagonismo a líderes de área e de equipes para que conduzam projetos relevantes para a sociedade, a curto, médio e longo prazo.
Gerar empregos para grupos estruturalmente excluídos, oferecer salários dignos, construir uma cultura inclusiva e impulsionar a equidade de gênero e raça em posições de liderança, são ações intencionais que ao entrar na agenda do negócio, permitem que esta se posicione no mercado como alinhada às expectativas dos investidores que avaliam essas premissas e índices para tomarem decisão de investimento. É isso que afirma a Global Reporting and Institutional Investor Survey.
A grande questão é que ainda é um desafio para muitas organizações instituir uma cultura verdadeiramente inclusiva. E para vencer esses desafios, consultorias especializadas em estratégias de equidade e inclusão elaboram planos customizados e conduzem projetos que agregam valor ao negócio. E para que eles de fato gerem resultado de impacto para a sociedade, alguns passos são necessários:
1 - Conscientização e preparação dos C-levels. Se estamos falando em cultura inclusiva e direcionamento consciente dos negócios, a agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) precisa fazer parte do core business, dos valores que regem os relacionamentos com stakeholders e da tomada de decisão estratégica. O compromisso genuíno com o rompimento das barreiras organizacionais que alguns grupos sociais enfrentam, permite estabelecer novas diretrizes de compliance, regimento interno e demais normativas organizacionais. Como consequência, irá influenciar a tomada de decisão e o comportamento das pessoas pertencentes àquela organização. Sensibilizações e mentorias são indicadas para esse grupo de altos executivos.
2 – Conscientização de toda a cadeia de lideranças. Diretores, gerentes, supervisores e coordenadores são multiplicadores da cultura organizacional. Suas atribuições estão conectadas com decisões de diferentes níveis. Essas decisões precisam gerar valor e ao mesmo tempo, romper com o ciclo que promove a manutenção da desigualdade. Para que realizem ações mais inclusivas e promovam relacionamentos que atendam às necessidades de pertencimento e contribuição, se faz necessário um preparo consistente para que possam lidar com a pluralidade de pessoas. A educação corporativa torna-se um importante meio transformacional, já que em parceria às consultorias especializadas, elabora ou contrata treinamentos focados em letramento em DE&I para os diversos níveis de liderança. Discutir realidades, aprender a analisar cenários e avaliar impactos das mudanças em processos são benefícios que bons treinamentos podem oferecer a esse grupo tão importante de profissionais.
3 – Contratação, empowerment e aceleração de profissionais. As chamadas ações afirmativas são programas organizacionais intencionais que têm como objetivo reduzir as desigualdades ampliando o quantitativo de profissionais pertencentes a grupos minorizados em determinada posição. Processos seletivos direcionados a grupos minorizados, ainda geram polêmica e algum incômodo, e neste caso, precisamos voltar ao passo 2. Ações afirmativas são esperadas e bem-vindas em culturas inclusivas desde que o Estatuto da Igualdade Racial passou a garantir equidade nas oportunidades e a respaldar as organizações em ações de discriminação positiva.
4 – Gestão das diversidades dos stakeholders internos e externos. Ao implementar políticas de Responsabilidade Social Corporativa, todos os processos passam a responder às premissas e valores estabelecidos, todos os pontos de contato se tornam oportunidades potenciais de multiplicação desta perspectiva. As práticas éticas, equitativas e sustentáveis passam a conduzir os relacionamentos organizacionais e os envolvidos verdadeiramente engajados, tornam-se parceiros em potencial de novos projetos. Aqui também podemos mencionar a responsabilidade e a ética na cadeia de suprimentos, garantindo o compromisso de fornecedores na adoção de padrões e processos socialmente responsáveis.
5 – Garantir um discurso coeso e congruente com a ética e com os objetivos de negócio. DE&I não é filantropia, e sim um direcionamento que visa atender aos princípios da ética e da justiça organizacional e social. Então todas as pessoas envolvidas precisam estar em conexão com o cumprimento das premissas de uma cultura inclusiva. E aqui peço licença para compartilhar um sonho particular: que todas as pessoas sejam letradas e educadas em DE&I. Eu sei, é um sonho ambicioso.
É chegada a hora então de seguir navegando nesse rio de sonhos: que grandes, médias e pequenas empresas sejam constituídas por pessoas verdadeiramente comprometidas com a responsabilidade social corporativa e que possamos muito em breve, nos orgulhar das conquistas e das transformações sociais que o meio corporativo poderá promover. E sim, eu acredito que seja possível. Desde que haja intencionalidade.
O papel de líderes nesse processo? Não fazer nada é escolher manter as coisas como estão, ou seja, é escolher promover a manutenção das desigualdades sociais, raciais e de gênero. Líderes transformam. Líderes influenciam. Eu confio que, ao finalizar a leitura dessas linhas, você saberá que, ao escolher agir a favor de Marias, Franciscos e seus descendentes você líder, estará transformando a sociedade. Líderes verdadeiros orientam-se pela humanidade, tecendo cuidados e resultados para organizações e para a sociedade. Então, traga para seu negócio ou para sua equipe os filhos e filhas, os netos e netas das inúmeras Marias, e dos muitos Franciscos desse país. Treine-os. Desenvolva-os. Ofereça oportunidades. Sejamos bons ancestrais para que possamos celebrar uma sociedade mais justa e equânime para todas as pessoas.